Tudo está correndo como o previsto… desastre à vista

Quem exercerá o poder após o impeachment da presidente Dilma Rousseff está sendo decidido neste momento, em uma guerra surda no centro de uma “ilha de tranquilidade”.

outubro 1975

No auge da agitação cega contra Dilma, quem tinha pelo menos um olho já antevia, passado o impeachment, algumas coisas ocorreriam:

  • coxinhas e paneleiros entrariam em extinção com seus restos mortais sendo enviados ao mesmo cemitério de elefantes onde estão os restos dos black blocs de 2013.
  • a corrupção sumiria dos jornais
  • acabaria a Lava Jato e o Ministério Público seria enquadrado.
  • tudo voltaria ao “normal”

Uma parte dos vaticínios realizou-se.

Manchetes de primeira página dos últimos sete dias na Folha de São Paulo:

01 jul – PF aponta desvio de até R$ 370 mi em obra viária e do PAN-07

02 jul – Indústria dá sinais de retomada após 2 anos

03 jul – Rio-2016 não cumprirá nenhuma meta ambiental

04 jul – Governo pretende obter até R$ 30 bi com privatizações

05 jul – Segurança no Rio é horrível, diz Paes a um mês dos jogos

06 jul – General que defende golpe de 64 é indicado à FUNAI

07 jul – Justiça afasta chefe da Eletronuclear; PF prende seu antecessor

Nossas únicas preocupações parecem ser os Jogos Olímpicos. Ecos de um passado distante como os Jogos Pan-americanos de 2007 e o golpe de 1964 ainda nos perturbam. Aliás, golpe só o de 64.

Não estamos em meio a um processo de impeachment, o governo interino não está tendo seus ministros investigados na Operação Lava Jato, nem comprometidos com delações ou gravações comprometedoras, o presidente da Câmara dos Deputados não é réu no STF e tampouco enfrenta um processo de cassação. O presidente do Senado não teve um pedido de prisão encaminhado pelo Procurador Geral da República.

Não estamos em uma resseção e a equipe econômica não está promovendo uma farra para comprar apoio político que elevou déficit fiscal a estratosféricos R$ 170 bilhões para o ano corrente e outra centena de bilhões para o próximo ano. Déficit a ser coberto com a precarização das relações trabalhistas e redução de direitos sociais, depressão nos valores das aposentadorias e cortes em educação e saúde. Inviabilizando o país pelos próximos 20 anos.

Grandes empresários não estão presos por suborno a agentes públicos ou investigados por sonegação fiscal. Presidentes dos órgãos de controle e do TCU não estão envolvidos.

E, no Estado de São Paulo, não está desenrolando-se um escândalo onde o líder do governo na Assembleia Legislativa é acusado de roubar o dinheiro da merenda dos alunos da escola pública.

Não admira que o povo branco esteja tranquilo em suas varandas gourmet. Até porque os tais “movimentos sociais”, que o animava em “domingueiras patrióticas”, os ”revoltados de internet”, todos financiados pelos partidos de oposição, estão muito sossegados após esses partidos terem chegado ao poder sem precisar de uma eleição.

Tornamo-nos “uma ilha de tranquilidade em meio a um mar revolto”.

Como em 1975.

E como em 1975, há uma guerra surda ocorrendo nos bastidores.

Essa guerra diz respeito ao vaticínio que não se realizou: não exatamente em relação ao fim da Operação Lava Jato, mas ao seu controle.

A Lava Jato tornou-se uma entidade própria, uma ideia-força, um poder acima do poder. Com o término do processo democrático no Brasil, quem controlar a Lava Jato assume o poder de facto. A guerra é essa.

O ministro Gilmar Mendes foi desautorizado por Rodrigo Janot, chefe do Ministério Público, que enfiou-lhe goela abaixo o processo contra Aécio Neves do PSDB de Mendes. Com o acúmulo de evidências contra Aécio, se Janot não o fizesse, desmoralizava-se frente à organização que comanda. Mendes reagiu aliando-se a senadores do PMDB de Temer investigados pela Lava Jato para passar a toque de caixa uma legislação que limite as ações do Ministério Público sob a intenção de conter “abusos de autoridade”.

Janot e Lewandowski são ridicularizados em “manifestações” representados por bonecos infláveis jocosos. Os tais bonecos não são baratos, quem os patrocina tem dinheiro e coragem para peitar o PGR e o presidente do STF.

O ministro Teori, responsável no STF pelo julgamento das ações vindas da Lava Jato sofre constrangimento público a si e a seus familiares quando cobra da Lava Jato o devido respeito à Constituição. Constrangimentos vindos dos “movimentos sociais de internet” que, muito bem informados, conheciam os endereços residenciais do ministro e de seus filhos, em Brasília e em Porto Alegre.

O ministro Toffoli do STF, próximo a Mendes, manda soltar Paulo Bernardo, ex-ministro do PT preso preventivamente em um desdobramento do emaranhado de ações em que se tornou a Lava Jato. O Ministério Público reage pela imprensa desafiando frontalmente o Ministro da Suprema Corte.

Obtida a independência funcional, só responde a si mesma, a Lava Jato busca agora independência financeira com uma fonte de recursos extra-orçamentária e sob seu controle. Uma comissão de dez a vinte por cento dos valores obtidos nos acordos de leniência ou recuperados nas investigações. Montaria a algo próximo a R$ 370 milhões. O ministro Teori Zavascki desautoriza a manobra. O Ministério Público, na figura de um dos seus procuradores, declara que irá ”insistir” na busca pela verba que julga justa por direito.

Quem se lembra de 1975, não necessariamente sabe da guerra entre a ditatura e a ditadura para definir quem continuaria como ditador. Vivíamos em uma “ilha de tranquilidade”. Mas certamente já ouviu falar de suas vítimas. Quem sabe da guerra de então, sabe que estamos no meio de outra guerra surda pelo controle do poder não democrático.

A Nova República que se encerra com o impeachment da presidente Dilma Rousseff de alguma forma começou a ser construída naquela guerra pelo poder e é função do lado que a venceu.

Quem exercerá o poder após o impeachment da presidente Dilma Rousseff está sendo decidido neste momento, em outra guerra surda no centro de uma “ilha de tranquilidade”.

 

PS1: a ilustração do texto é a primeira página da Folha de São Paulo de 26 de outubro de 1975, dia seguinte ao assassinato de Wladimir Herzog nas masmorras do DOI-CODI.

PS2: esta Oficina acredita que a história quando se repete é por si só uma tragédia, tanto mais se trata-se de uma farsa.

5 comentários

  1. “Está aberta hoje a festa das flores”. Realmente é impressionate a manchete da “falha” de são paulo no dia seguinte à morte de Wladmir Herzog.

  2. Em 1973 (Motes e Glosas) e depois em 1976 (Alucinação) Belchior gravava A Palo Seco. O meu sentimento em 2016 é o mesmo.

    “Se você vier me perguntar por onde andei
    No tempo em que você sonhava
    De olhos abertos lhe direi
    Amigo eu me desesperava”

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