O Princípio de Giannotti da Amoralidade Política.

Como o Princípio de Giannotti da Amoralidade Política é utilizado para criminalizar os governos petistas e colocar o PSDB e seus aliados fora do alcance de qualquer responsabilização.

Em 2001, o 2º governo de FHC se encontrava em uma situação política difícil.

Sem mais poder recorrer às privatizações que reforçaram financeiramente o 1º governo, aliás, cercadas de escândalos, as crises econômicas tiravam-lhe a capacidade de conduzir a economia soberanamente. A política econômica do país era traçada na sede do FMI, em Washington.

Nascido da compra dos votos para reeleição, esse governo carecia de legitimidade frente aos agentes políticos que, no Congresso, cobravam a cada aprovação de medida proposta pelo governo a correspondente liberação de emendas parlamentares ao orçamento.

É nesse ambiente deletério que o professor José Arthur Giannotti, aliado do governo tucano, formula em sua defesa uma tese da melhor escola maquiavélica que, aqui, chamarei de:

O Princípio de Giannotti da Amoralidade Política.

“Na medida em que a política, entre muitas coisas, consiste numa luta entre amigos e inimigos, ela pressupõe a manipulação do outro, desde logo suporta, portanto, certa dose de amoralidade”.

Entenda-se, aqui, como amoralidade, não o conceito correlato de imoralidade, mas como um espaço delimitado dentro do qual se suspenderia os conceitos de moral. As ações políticas tomadas dentro desses limites estariam, portanto, isentas de conceitos, tais como, certo ou errado e, por via de consequência, de legal ou ilegal. Seriam paradoxalmente necessárias para o funcionamento da democracia.

“As leis guardiãs das leis que regem a “polis”, para serem praticadas, requerem uma zona de amoralidade”.

A política continua, em Giannotti, sendo a arte da argumentação em busca do convencimento, porém, na falta desse convencimento por parte do argumento, seria aceitável o uso de “recursos escassos” (dinheiro) como forma de obter apoio político. Desde que isso fizesse o processo político avançar.

Mais, a distribuição desses “recursos escassos” seria uma forma de exercício do poder. E, por óbvio, é insensato exercê-lo beneficiando o inimigo”.

“Somente assim a decisão é tomada e o adversário, derrotado, pois, se a política é jogo, a partida não está determinada de antemão. Daí ser preciso diferenciar o juízo moral na esfera pública do juízo moral na intimidade, pois são diferentes suas zonas de indefinição”.

Haveria, contudo, limites para essa zona de amoralidade, além dos quais, as ações seriam imorais.

Giannotti não traça esses limites, mas é possível intuir que o enriquecimento pessoal através da política seria inaceitável. Bem como o tráfico de cocaína, por exemplo. De qualquer forma, seria sempre a opinião pública, e, mais precisamente, o seu grau de tolerância quem estabeleceria esses limites.

“Daí a importância da mobilização da opinião pública na determinação da linha de tolerância entre o que o político deve e não deve fazer”.

A opinião pública poderia ser mobilizada, em relação a tais distribuições de recursos escassos, por duas formas: a denúncia por parte dos adversários políticos e a mídia.

Giannotti minimiza o poder dos grupos políticos adversários em mobilizar a opinião pública. Isso porque “acusar o inimigo de imoral é arma política, instrumento para anular o ser político do adversário”. Logo, a acusação de um político a outro não revestiria, por si só, o acusador de credibilidade. O político, ao acusar seu adversário, estaria sendo tão somente político, não necessariamente ético.

Já quanto à mídia, Giannotti cobra desta a responsabilidade de considerar a necessária zona de amoralidade como limitador da comunicação entre ela e seus leitores.

“É obrigação da mídia informar os fatos no seu nível de realidade. Por certo, cabe-lhe o dever de zelar pela moralidade pública; deixa, porém, de ser democrática quando recusa ao fato político sua necessária aura de amoralidade. Quando um jornalista o expõe do ponto de vista de sua total transparência, destrói o caráter político desse fato e transforma sua informação em arma política a serviço de interesses totalitários”.

Caberia, então, à mídia, omitir dos leitores aqueles fatos políticos que um consenso tácito determinasse que fossem desconhecidos para manutenção do processo democrático.

“A plenitude da luz não permite a visão”. Finaliza Giannotti.

O Princípio de Giannotti da Amoralidade Política e sua inversão.

Por vários motivos, a plutocracia e a classe média não assimilaram Lula, ainda que Lula tenha se esforçado para se fazer assimilável. Já a viabilização do primeiro governo Lula por seu sucesso ao adotar as bandeiras sociais anteriormente associadas ao PSDB sinalizou àquele estrato da nossa sociedade que seu retorno ao poder pelo voto democrático não se daria sem a destruição de Lula no imaginário popular. Para isso, o Princípio Giannotti da Amoralidade Política é adotado invertido em relação aos governos FHC e Lula. Ao primeiro, serve como amortecedor de denúncias e ao segundo, sua denúncia torna-se arma política.

É, a partir dessa dicotomia, que se dá a união da mídia e de áreas do Judiciário e da Polícia Federal como a verdadeira oposição política aos governos petistas. O mecanismo é óbvio, a escandalização da opinião pública. Como deixa claro o professor Giannotti:

“Cada vez mais tendemos a aceitar a regra de que o político, devendo se aventurar na zona da amoralidade, pague quando ultrapasse os limites sociais da tolerância”.

O PT não chegou ao poder pela via revolucionária. Chegou pela via democrática. É mesmo considerado continuador do modelo de “presidencialismo de coalização” desenvolvido por FHC para estabelecer a governabilidade no ambiente pós-Collor. Seria impraticável que, sem ruptura com o modelo, deixasse de “se aventurar na zona da amoralidade”.

Nesse sentido, paga não pelo que fez, mas por não ter a mídia mainstream ao seu lado. Com uma agravante, a partir do Mensalão e, principalmente, da Lava Jato, não se trata mais de apenas de retirar o PT do poder, mas também, não podendo impedir a ascensão ao poder pelo voto popular de um partido determinado, de inviabilizar qualquer forma de governança, petista ou não, que não seja aliada desse grupo de poder. Com uma característica especialmente cruel a ser considerada – o encarceramento dos adversários políticos.

E, aqui, quem nos ensina não é o professor Giannotti, mas Foucault:

“O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder”.

É, finalmente, a inversão do Princípio de Giannotti da Amoralidade Política que permite José Genoino e Dirceu serem julgados, condenados e encarcerados como resultado do AP 470 – o mensalão e Eduardo Azeredo aguardar sem julgamento a prescrição do seu processo.

É uma radical redução dos limites da zona de amoralidade política que permite ao Juiz Moro, no âmbito da Lava Jato, sem ser questionado ética ou juridicamente, encarceirar preventivamente, com base em ilações e delações, de grandes empreiteiros à cunhada de Vaccari, passando pela impensável prisão de um militar que não seria alcançado, por exemplo, por um processo que apurasse o desaparecimento de presos políticos, se fosse o caso. Formou-se o consenso de que tratam-se de frequentadores da zona de amoralidade petista trazidos à luz.

E é a inversão do mesmo princípio que permite igualmente a Moro não investigar desvios na Petrobras anteriores a 2003, por mais que Pedro Barusco os tenha denunciado, ou deixar sem investigar as informações de Youssef envolvendo Aécio e Furnas, estariam na zona de amoralidade do PSDB e sua área de sombras.

 

PS 1: um agradecimento ao professor Vladimir Safatle pela lembrança do texto de Giannotti.

PS 2: para quem quer pagar para ver por que FHC não é Giannotti, acesso aqui.

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