Você votaria em um presidente mau caráter, mas com ideias com as quais você concorde, ou optaria por eleger um presidente íntegro, mas de cujas ideias você discorde peremptoriamente?
Essa é a questão que nos propõe Hélio Schwartsman na Folha de 26 de novembro de 2017.
Essa é uma não questão; ou uma questão somente na sua segunda parte: você votaria em um presidente íntegro do qual discordasse?
Porque, em relação àquele com quem se concorde, não há o que se questionar em relação ao seu caráter. Ou os que apoiam o presidente mau caráter não veem nele essa falta de caráter, ou são tão mau caráter quanto o apoiado.
Para ter reduzido a questão proposta apenas à sua segunda metade, bastaria a Hélio ter lido o que escreveu sobre o governo Temer o seu colega do lado, Marcos Lisboa:
“são muitos os méritos do governo. A economia saiu da recessão. Aos poucos, a renda e o emprego recuperam parte do que foi perdido desde 2014. Resgatou a credibilidade do Tesouro, que apresenta uma transparência inédita das contas públicas. O Parlamento surpreendeu aprovando medidas como a TLP e a reforma trabalhista. O cenário externo colaborou com as baixas taxas de juros. O resultado foi a recuperação da nossa economia”.
O que dizer da análise de Lisboa, conhecendo-se o que se passa nos porões do Jaburu na calada da noite e nas relações com o Congresso em dia claro? Ambas franciscanas, ou seja, na base do é dando que se recebe.
Dizer-se que Lisboa é cego em relação ao caráter do governo Temer. E em relação ao mundo em que vive. Isso considerando que Lisboa viva no mesmo mundo que eu.
Voltando a Schwartsman.
Em relação à questão da eleição do íntegro do qual discorde-se, Hélio é um cético. Cita, como exemplo, a presidente Dilma Rousseff. Reconhece-a com íntegra, mas não a vê com apoio popular para voltar ao poder, por ser uma incompetente.
O filósofo e o economista concordam – Temer salvou o Brasil.
Hélio considera que a economia no governo Dilma estava “na lama”. Estranho barro esse que produzia índice de desemprego de 4% e crescimento da massa salarial de 27%. Mas cada jacaré sabe da lama que o agrada.
Interessante também, que, sendo íntegra, Dilma não deveria sequer ter saído do governo. Mas puniram-na com um impeachment por crime de responsabilidade – as tais “pedaladas”. Seriam elas – as “pedaladas” – a tal falta de transparência nas contas públicas que Lisboa cita e festeja a volta com Temer? Como Hélio não as considerou?
Pura questão retórica, sendo um filósofo, em relação a isso não há o que cobrar de Hélio. Mas de Lisboa, sim.
Ainda aguardo que Lisboa, um economista, me explique o que vêm a ser as tais “pedaladas”.
Seja lá o que forem – e creio que foram um golpe – custaram o cargo de uma pessoa íntegra, com a qual o povo concordava, tanto que a reelegeu, mas que não tinha o apoio do poder econômico. Que apoia Temer, sem questionar-lhe o caráter.
Nesse campo, o economista é muito mais “consequencialista” que o filósofo.
Em relação ao presidente mau caráter, Hélio alinha Temer e Lula. Ambos com poderosos apoios. No caso de Lula, apoio popular.
Sintomático, no entanto, que para com Temer, Schwartsman saia-se com este eufemismo, ao seu modo: “os que defendem o governo Temer o fazem porque, apesar das gravíssimas suspeitas contra o presidente …”
Gravíssimas suspeitas? Quais seriam as gravíssimas suspeitas? Do que se suspeita em relação a Temer? Hélio não diz. Pedofilia, talvez? Está na moda.
Mas não seria Lula o “comunista comedor de criancinhas”? Não, responde Hélio: “parte dos que querem reeleger Lula se dobra a alguma versão do “rouba, mas faz”.
Contra o caráter de Lula, não pesam gravações – “tem que manter isso aí” – nem mala de dinheiro, mas Hélio não titubeia: rouba, mas faz. Eis o segredo da popularidade de Lula.
Não sei a opinião de Hélio em relação a Collor e FHC – os outros presidentes eleitos pelo povo após a ditadura – mas ficou assim: o caráter do governante é uma questão de menos.
Em matéria de caráter do governante, problema mesmo é somente Donald Trump. Alguém “tão patife que se torna disfuncional”.
Equivoca-se o filósofo. E revela-se, quando dá e quando não pode dar nomes aos bois.
O caráter do governante vale tanto quanto o caráter dos que, se não o elegem, o mantém no poder.
O economista sabe disso.